sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

Poema calado

Se de amor em amor
faço uma vida
de poema em poema
faço amor.

Não tem rima
nem métrica
tem dialética,
de ouvidos mudos
de palavras que não se vê.

E neste poema torto,
estamos virados ao avesso,
cortados ao meio,
falando sem dizer.
E nesta tortuosidade de sentidos
é que as virgulas se dobram,
que a curva termina
e depois...[prazer].

Prefácio

A poucos
dou meu avesso
dou aquilo que ninguém mais dá.
É esquisito, cômico e frenético
Como uma cantiga,
coloca o mundo para rodar.
E de nota em nota
o chão fica incerto
a alma fica inquieta
como se não soubesse dançar.
Porque meu amor é quantizado
extravagante e invejado.
Tem profundidade no jeito de dar.
E de tanto amor
é livre de toda bobagem
despojado de qualquer maldade
totalmente sem pudor.
Porque o que é puro
não precisa frescura,
não tem ponto
nem faz curva
é só reticências
poesia
e exclamação!






Paladar

Tem gente que tem cheiro
alfazema, canela, pimenta, sei lá...
Pinica
faz cossega lá por dentro,
faz a pele esquentar.
E quando chego perto dessa gente
A boca se enche d`àgua,
a língua fica inquieta,
o olho fica cego
é rebolisso no paladar.
Tanto que desmancha, derrete,
me deixa açucarada,
fazendo poema,
comendo a rima,
falando de amor.

Com palavras não se brinca


Meu coração bate com reciclo de pensamentos.
Tenho casa, comida e roupa não lavada.
penso no livro, na escrita e na cama
tenho sono para uma noite
e sonho para uma vida inteira.

Vontade me falta para abraçar o mundo.
Saudade me força a pensar no outro.
Não gosto de todo mundo; gosto do único
e ele me abraça, me assanha
e me chama pelo nome.

Neste emaranhado de macro moléculas
sinto o que vejo, transpiro.
E assim, é sentimento que não se encontra,
é luz que não se acaba
é poema que vai..."

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

Receita de homem




Os muito feios que me perdoem mas beleza é fundamental. É preciso que o homem tenha charme e provoque qualquer tom de inquietação.
Que tenha o nariz bem feito, esculpido em mármore, que não tenda nem para direita, nem para a esquerda, mas que com um súbito relevo na ponta, demonstre seu poder de abraçar o mundo inteiro.
Que os pés sejam discretos, sem exageros. Mas que as mãos, as mãos sejam leves e pesadas ao mesmo tempo. Que saibam tocar o infinito e arrasta-lo para si. Que saibam encontrar a cintura de uma mulher e saibam não lembrar da existência das nádegas.
Ah! as nádegas também são importantes. Devem ser arredondadas, sem que a região pélvica esconda isso e que vez ou outra assuma cores femininas.
É desejável que o homem, na presença de outras mulheres esteja realmente presente, sem se esquecer da que está ao seu lado. É preciso que ele seja bem vindo e saiba ser companheiro de uma boa anfitriã.
A coluna vertebral porém, deve parecer reta, sem curvas, com vértebras montadas uma-a-uma, como quebra cabeça, sem faltar nem um ossículo ou nervo que se contraia depois de observar o terceiro minuto da aurora.
Que a pélvis não esteja rotacionada, nem evidencie qualquer vulgaridade. Assim, é preciso que as coxas sejam homogeneas e não tenha qualquer sobreposição de músculos. Que sejam redondas e não quadradas e que sustentem o peso de uma garça pousada, apenas.

Os ombros porém devem ser naturalmente largos e que se não forem, devem caber pelo menos o rosto de quem se ama.
Importante é entretanto a questão das sobrancelhas, essas devem acompanhar o contorno dos olhos e não devem, em hipótese alguma, se juntarem. As falhas não são desejáveis, mas qualquer insinuação delas pode ser despistado pelo olhar.
Mais que os olhos, o olhar é, sem dúvida, o mais importante. Deve emitir lasers e provocar queimaduras de grau indeterminado.
Os joelhos, eles devem ser claros como a bruma tociturna de uma praia sem lua. E a barriga, não merecedora de descrições, não deve ser mutada nem imóvel.
O odor não pode agredir ou assustar, deve envolver.
É preciso que haja nos homens algo de coragem, de disposição sem a pronuncia dessas palavras. Não precisa ser forte como um touro, nem nascido sobre o signo de escorpião. Mas é preciso que ao usar o tato, dedilhe a escala de Dó e interprete Sebastian Bach.

Agora, os olhos devem conter uma luz no fim do túnel. Na retina devem estar cones adaptados a mudança de cor, caso os lábios sejam estimulados. Pois nos olhos, é preciso refletir a profundidade, apesar de toda a refração sofrida nos tempos modernos.
Os braços podem ser longos, mas essencialmente devem ser responsáveis, já que com eles o mundo que o cerca pode ser abraçado, como cruelmente destruido.
O caráter não precisa ser perfeito, mas é preciso que guarde algo de valor e tenha no íntimo, humildade para se perguntar a respeito do que quer e do que está fazendo. Não pode ser impulsivo, nem andar na corda bamba, somente ameaçando cair. Tem que chegar ao outro lado de cabeça erguida ou cair de braços abertos e dispostos a conquistar o que deseja.
Os lábios não podem ser espessos demais, mas devem ter iniciativa e deixar sair o que é ensaiado no subconsiente. Podem ser rosados ou vermelhos, mas devem ser mais discretos que os olhos, para deixar encoberto a sabedoria de perceber a inclinação terrestre.

E por fim, o homem não deve conter nada de parnasiano, barroco ou clássico. Pois é admirado aquele que tem a audácia de se entregar à vida, mesmo sabendo que ela não possui nehuma receita para ser vivida.

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Derivando a palavra


Tem tanto tempo que eu não escuto alguém dizer que está feliz, que estou quase acreditando que o termo está entrando em desuso. Em devaneio, procuro tentar colocar a culpa no processo de formação de palavra, na derivação sufixal - nunca gostei dela - mas não adianta, ainda se usa acidez para designar uma solução com o pH menor que 7 e chuvoso para falar do tempo natalino.
Então, procuro no dicionário e ela ainda está lá, na edição de 1995. Naquela época, existia Mario Bros, Mamonas Assassinas, Cara-a-Cara e crianças. Hoje a base da pirâmide etária se estreitou e elas gostam de Simpsons na mesma intensidade que eu. E olha que aquilo não é novo e nem desenho para crianças - só mesmo sendo satírico e antipático aos encantos do tio Sam para gostar do Homer . Mas é viciante, tenebroso e infelizmente deixa todo mundo com meio sorriso no rosto, inclusive eles, os infantos, que trocaram as molas dos pés, a alegria em júbilo, pelas bolhas nas mãos e pela lerdeza hipotireoidiana.
E é neste momento que lamento pela felicidade não ser um verbo, se não eu poderia dizer que ele foi rasgado, tal como fotografia em album de família, substituido pelo perfil do Orkut. Pena que cor e brilho não rimam.
Já dizia Guimarães Rosa que "todo mundo tem sua hora e sua vez". Acho que não. Acho que o ponteiro (encrenca de derivação sufixal) resolveu marcar o mesmo tempo para todo mundo tomar de sua sopa (de letrinhas) e o melhor, com colheres padronizadas.
E por falar nisso, e se a reforma ortográfica aboliu a palavra e eu não fiquei sabendo? Bem que me avisaram que ela não ia durar para sempre. E o pior que nem dá para comprá-la, já fui advertida que a felicidade não tem preço.
Deixa para lá, bobeira minha. De qualquer forma, o happiness e o felicité continuaram existindo. E além do mais, pode ser que ela vire uma "saudade" da vida, palavra que só se conhece na lingua portuguesa, mas que nem por isso o resto do mundo deixa(rá) de sentir falta dela, da felicidade.

sábado, 5 de junho de 2010

Essa tal inspiração

Olho para fora da janela do ônibus e vejo mares de morro sem fim. Voltando para casa, em um breve feriado com a bolsa cheia de saudade, roupa suja e ansiedade, penso que a inspiração mora ali, em meio àquelas serras intrinsecas a minha vida estudantil.
É estranho pensar nela como algo personificado. Todavia, parece que ela é branca,com os cabelos claros, aparencia jovial e fica ali, espreitando os meus passos, esperando o momento certo para me pedir um afago. E quando finalmente me aproximo, corre feito louca, tal como vento fazendo cocegas no solo arenoso do sertão. Mas não é sertão, é montanha e ali ela se esconde, parecendo até mesmo estátua basaltica plantada na paisagem.
Por que ela tem que ser tão modesta? Como eu queria que ela pudesse vir e sentar ao meu lado ao longo dessa viagem, me ajudar a concluir mais um texto, para que eu pudesse repousar a cabeça e prosseguir com todo meu trabalho atrasado.
Pronto. Ela desapareceu de novo. Minha mente está inundada por c++, fórmulas e integrais. Agora ela parace estar mais distante. Será que tranquei bem a casa? E parece que ela nunca existiu.
Madura e malíciosa, nos momento que ela deveria estar presente, faz de conta que não exite. Quanta raiva! Meu avô gostava de uma antiga expressão "amigo da onça". E assim eu digo "amiga da onça".
Por que ela não aparece de maneira enfática, quando estamos perto de quem gostamos e nos faz pular no pescoço dessas pessoas para que elas se sintam amadas? Por que ela não me faz pegar o telefone e dizer "oi " para os velhos amigos? Por que ? Por que ela não enche meus olhos de brilho quando vou exercer um trabalho que teoricamente deveria ter alegria em fazê-lo? Por que ela não me segura quando quero tanto terminar a leitura de um livro e o sono, literalmente pelo cansaso, me vence? E finalmente por que ela não está quando quero dizer "Você é importante para mim" com a verdadeira energia que a frase merece?
Ouvi uma estória que perguntaram, se não me engano, a Picasso de onde vinha a inspiração para pintar. Ele sabiamente, disse que não sabia, mas que todas as vezes que ela chegava, estava sentado diante de uma tela, com o pincel na mão.
É obvio que a garota dos cabelos claros se esconde, pois todas as vezes que ela insinua me pedir o afago, estou ocupada demais com provas, conversas cotidianas e relatórios. E assim penso que acontece com praticamente todas as pessoas. As tarefas se acumulam e por isso não temos mais tempo para fazer diferença na vida de outras pessoas, para ajudá-las, para estar frente-a-frente com elas pelo breve motivo de estar. Porque estamos preocupados demais em cumprir aquilo que nos foi proposto, obrigados aos formalismos, à norma de estar sempre presente em uma etiqueta chamada sociedade.